Eu morava em uma cidade diferente dos meus pais. Trabalhava e Fazia faculdade fora. Passei por momentos bem difíceis e minha relação com meu pai já não ia bem porque eu me recusava a trabalhar na empresa dele e morar com eles.
Vim para casa do meu pai apenas para passar um fim de semana e escrevi um texto para um blog que eu tinha na época. Dissertei no Word, copiei para o blog, publiquei, limpei histórico do computador e continuei na internet. Houve uma queda de energia e eu fui dormir.
No outro dia, acordei cedo e voltei para minha casa. Meu pai acordou horas mais tarde e foi para o computador. Ao abrir o Word, o software recuperou o texto até a frase que dizia:
Vim para casa do meu pai apenas para passar um fim de semana e escrevi um texto para um blog que eu tinha na época. Dissertei no Word, copiei para o blog, publiquei, limpei histórico do computador e continuei na internet. Houve uma queda de energia e eu fui dormir.
No outro dia, acordei cedo e voltei para minha casa. Meu pai acordou horas mais tarde e foi para o computador. Ao abrir o Word, o software recuperou o texto até a frase que dizia:
“Que fase difícil passei... 20 anos, fora de casa, longe da família, lutando por grana, me aceitando bissexual e tentando ser feliz”.
Nesse momento eu soube que eles haviam descoberto.
Cheguei na casa dos meus pais e os dois estavam sentados na sala de visitas, minha irmã estava trancada no quarto e os nenhum dos empregados estavam dentro de casa. Sentei no sofá, coloquei os pés sobre a mesa de vidro que havia a frente e meu pai perguntou: “Você é homossexual?”, com todas as letras.
Cheguei na casa dos meus pais e os dois estavam sentados na sala de visitas, minha irmã estava trancada no quarto e os nenhum dos empregados estavam dentro de casa. Sentei no sofá, coloquei os pés sobre a mesa de vidro que havia a frente e meu pai perguntou: “Você é homossexual?”, com todas as letras.
Eu respondi: “Durante toda a vida que vivi até agora eu lutei para mudar algumas coisas em mim e não consegui. Hoje eu aprendi a lidar com essas coisas e agüento as ‘porradas’ que o mundo me dá por ser de determinada forma. Mas eu percebi que a minha luta era principalmente porque eu não sei se sou forte o suficiente para agüentar ver vocês tomarem as ‘porradas’ que vocês vão tomar agora que vocês sabem”.
Minha mãe saiu correndo chorando, meu pai chutou a mesa de vidro, que se espatifou, e começou a gritar.
Ele dizia que não me deixaria voltar para minha casa, que iria me curar, que eu iria pra igreja com eles. Começou a dizer que filho dele não ia “dar o cú” por aí, que eu não pensava neles, que eu estava os fazendo sofrer, que eu deveria enfrentar isso para fazer-los felizes, mesmo que isso me fizesse sofrer. Dizia que preferia que eu tivesse matado alguém, fosse um drogado ou bandido, pois com essas coisas eles saberiam lidar, mas com “viadagem” eles não sabiam o que fazer.
Minha mãe voltou à sala com a bíblia e começou a gritar partes que falavam sobre homossexualidade.
Meu pai chorava e me olhava com raiva. Dizia que eu era o maior desgosto da vida dele, que me salvava ou me matava, que isso era uma doença e outras coisas mais.
Tentei, obviamente sem sucesso, argumentar, protegido pelo fato de ter a minha casa e meu trabalho, mas meu pai começou a dizer que eu não sairia daquela casa, que não voltaria ao trabalho nem a faculdade, que a partir de agora viveria sob constante observação.
No mesmo minuto me levantei e disse que iria embora. Meu pai se pôs a frente da rampa de acesso que sobrepunha o jardim da casa, do portão a entrada principal, e disse: “você só sai daqui se passar por cima de mim”. Eu passei.
Com dois passos para trás e um impulso m direção ao muro da frente, derrubei meu pai no jardim. Bati um pé no muro e o outro na cerca elétrica e caí na calçada, já do lado de fora.
Enquanto o portão da garagem se abria com o alarme ecoando pelo bairro, eu corria pela rua, com meu pai correndo atrás de mim, chorando e gritando que só desistiria de me “curar” quando ele morresse.
Minha mãe, que nunca dirigiu, o alcançou com o carro e vieram atrás de mim. Eu fazia um ziqgue-zague entre as ruas do bairro, com os vizinhos todos olhando assustados para aquela família que mal se via, sempre trancada por traz dos muros no alto do bairro.
Meu pai dizia que eu morreria sozinho, que perderia meus amigos, que a família me excluiria, que eles seriam motivos de chacota, que eu me drogaria e morreria de AIDS.
Dizia que não teria emprego, viveria em becos, escondido, e que iria para o inferno viver a eternidade.
Muitas brigas se seguiram naquela noite, no meio da rua, no carro, em casa.
Todas as chaves e controles dos portões foram entregues aos seguranças e motoristas da casa, que teriam a missão de não me deixar sair mais, a menos que acompanhado dele.
Eu não poderia voltar a minha casa, ao meu trabalho, a minha vida, a menos que prometesse ser diferente. Prometesse “voltar a ser” heterossexual.
Prometi, e voltei para casa disposto a nunca mais falar com meu pai.
Dois dias depois, era meu aniversário, eles apareceram a minha porta. Achei que eles tivessem aceitado, e tivemos um dia ótimo, sem tocar no assunto.
Na hora de ir embora, eu estava a porta de casa quando minha mãe perguntou se eu ainda falava com “aquela gente” (meus amigos gays). Percebi que eles não haviam entendido nada e bati a porta na cara deles.
Ficamos muito tempo sem nos falarmos, mas aos poucos a reaproximação foi acontecendo. Tempos ainda mais difíceis.
Minha mãe sempre foi meu chão, minha base, meu ombro, meu apoio, o vento sob as minhas asas. No entanto, minha consciência tem a voz do meu pai. Ele sempre foi o exemplo, o julgamento, a força, a razão. Os músculos que me permitem voar.
Viver longe dele doía.
Voltas e voltas o mundo deu e eu voltei morar com eles, com o único e exclusivo objetivo de fazer com que meu pai visse que ele estava errado, que eu era um bom homem.
Tempos terríveis de convivência. Cutucões, piadinhas e indiretas constantes do café da manhã ao jantar.
Um ano depois eu cansei. Eu explodi. Eu falei tudo que devia - e o que não devia - e resolvi sair de casa.
Sai do trabalho disposto a não voltar para casa quando meu pai me ligou e pediu para que eu fosse pra casa. Tudo me dizia que eu seria IDIOTA se voltasse, mas eu fui.
Dois dias depois, era meu aniversário, eles apareceram a minha porta. Achei que eles tivessem aceitado, e tivemos um dia ótimo, sem tocar no assunto.
Na hora de ir embora, eu estava a porta de casa quando minha mãe perguntou se eu ainda falava com “aquela gente” (meus amigos gays). Percebi que eles não haviam entendido nada e bati a porta na cara deles.
Ficamos muito tempo sem nos falarmos, mas aos poucos a reaproximação foi acontecendo. Tempos ainda mais difíceis.
Minha mãe sempre foi meu chão, minha base, meu ombro, meu apoio, o vento sob as minhas asas. No entanto, minha consciência tem a voz do meu pai. Ele sempre foi o exemplo, o julgamento, a força, a razão. Os músculos que me permitem voar.
Viver longe dele doía.
Voltas e voltas o mundo deu e eu voltei morar com eles, com o único e exclusivo objetivo de fazer com que meu pai visse que ele estava errado, que eu era um bom homem.
Tempos terríveis de convivência. Cutucões, piadinhas e indiretas constantes do café da manhã ao jantar.
Um ano depois eu cansei. Eu explodi. Eu falei tudo que devia - e o que não devia - e resolvi sair de casa.
Sai do trabalho disposto a não voltar para casa quando meu pai me ligou e pediu para que eu fosse pra casa. Tudo me dizia que eu seria IDIOTA se voltasse, mas eu fui.
Cheguei em casa, meu pai me abraçou chorando e disse que me amava, que não brigaríamos mais e que queria ser meu amigo.
Depois daquele dia meu pai nunca mais fez uma piadinha, e recriminou veementemente aqueles que o fizeram dentro de sua casa. Nunca mais me fez inquisições sobre onde eu iria ou com quem eu iria. Suas perguntam sobre minha vida pessoal se limitaram a “você está feliz?”.
Nossa relação começou a mudar. Meu pai nunca me pediu desculpas e ainda hoje sinto dificuldades em demonstrar amor e carinho a ele, pois lembro das coisas que ouvi. Muitos Natais e Festas de Ano-Novo se passaram me fazendo escolher entre estar com meu namorado ou minha família.
No entanto, minha consciência continua tendo a voz dele, ele continua sendo meu exemplo, minha força, minha razão, meus músculos.
Hoje falamos de trabalho, de dinheiro, de carros, de viagens, da minha sobrinha e de família.
Apoiamo-nos, nos admiramos, nos guiamos, e passamos natal e ano novo juntos, estando eu solteiro ou namorando.
Penso no meu pai e vejo o homem que me ensinou a andar de bicicleta sem rodinhas, tentando novamente, mesmo todo ralado dos tombos no asfalto e os protestos de minha mãe. Subir nas árvores mais altas, mesmo com o braço fraturado da última queda. Correr no fogo, mesmo com a cicatriz da última queimadura. Trabalhar duro, mesmo com um salário baixo. Fazer melhor, mesmo sendo elogiado por ter feito direito. Querer mais, mesmo tendo tudo. E erguer a cabeça, ter orgulho do que sou, mesmo sendo gay.
Meu pai me ensinou que ninguém é melhor do que eu, mas que eu também não sou melhor que ninguém. Mostrou que se faz tudo em nome da família, que casamento deve ser respeitado e deve ter “status” de namoro para sempre. Ensinou que só se ganha dinheiro vendendo IDEIAS, que o mundo é MAL, mas que viver é BOM DEMAIS!!!
Eu não admito viver em becos, não admito ser diminuído, não admito ser maltratado, não admito brincadeiras com meus sentimentos e minha saúde, e não admito ter que me esconder por conta de qualquer característica sexual minha.
Não fui criado para isso, não fui ensinado a permitir isso.
“Aprendi com a dor, nada mais é o amor que o encontro das águas”.
Minha força tem um nome, e é o nome do meu pai.
RP
Caracas, RP. Fiquei meio sem palavras.
ResponderExcluirFoi o post mais carnal que li escrito por vc. Senti corpo, senti ar, senti fogo e senti água. Tudo junto.
Abraço!!!
Feliz dia dos Pais, então. E que todas as feridas do passado se curem definitivamente.
ResponderExcluirApesar de tanta dor e confusão, as coisas estão entrando cada vez mais nos seus eixos. Que bom que agora sua família entende melhor e que bom que você continua tendo o seu pai como modelo. Bem-vindo de volta, RP! Estava com saudades...
ResponderExcluirNossa adorei seu texto, nem tenho palavras.
ResponderExcluirMe fez refletir muito sobre a convivencia com meu pai...
Parabens :)
Nossa guri... pelo amor... depois desse texto... uma chama de esperança nasce dentro do meu peito... e posso esperar que minha relação com minha família possa ainda ter uma solução...
ResponderExcluir***
umBeijo!
Fikei todo arrepiado... Bacana vc ter conseguido receber essa força absurda e converte-la pros seus valores.... A hisotria e novelesca do inicio ao fim e o resultado dela é verdadeiro heroi... Vc é lindissimo....
ResponderExcluirBom... antes de mais nada... gostaria de falar que fiquei mega feliz em ver que estava de volta... e agora... lendo tudo isso... fico ainda mais feliz... pq sei q além de ter voltado... vc é mais genial e rico e especial do que eu imaginava... Parabéns!!!
ResponderExcluirBom retorno!!!
Beijos dos eu velho amigo blogueiro de Terras Tupiniquins (que vc conhece tão bem).
Ae Rafa, mesmo sendo seu amigo a tanto tempo não sabia que a experiencia tinha sido tão traumática ... espero que as coisas só melhorem daqui pra frente, e pode contar comigo sempre que precisar !
ResponderExcluirAbração e seja muito feliz !
Lendo sua história reforço minha idéia de que a vida é sempre feita de escolhas. Escolhe sentir vergonha do filho, escolhe desejar o que é ruim. Ao mesmo tempo, é possível escolher colocar as pessoas mais importantes do que qualquer crença.
ResponderExcluirQue bom que seus pais escolheram deixar você escolher por você e que bom entre suas escolhas você ter escolhido ser feliz mas sem lançar mão das pessoas importantes.
Dificuldades no relacionamento existem mesmo, até acho sou glacial para com minha mãe por causa do que ouvi no começo do ano. Creio que isso também seja uma escolha e por enquanto escolhi deixar o tempo resolver.
parabens, paabens, excelente texto, uma estoria cheia de amor, emocao e superacao. muita gente precisava ler vc!
ResponderExcluirabs
Cara, sou novo por aqui e seu blog é um dos primeiros que acesso. Curti muito este teu post. E gostei mais ainda de saber que vocês se dão bem hoje em dia.
ResponderExcluirAbraço
Poxa RP, sem duvida esse foi um post emocionante de se ler... Que bom que seus pais perceberam que não conseguiriam "te curar" e acabaram te aceitando do jeito que você é.
ResponderExcluirSinto que meu pai é de certa forma um pouco distante, nunca me ensinou a andar de bicicleta, nunca me ensinou a jogar futebol, nem deu muita brecha pra conversas sobre a minha vida, sobre como eu me sinto e tal... Mas sempre fez o melhor de si pra nunca deixar faltar nada... Sempre foi "O homem da casa". Não sei quando vai chegar o meu momento de ter essa conversa, mas uma coisa eu tenho certeza, de que pode até a principio ser um pouco doloroso, mas que ele nunca vai deixar de me amar pelo que eu sou, e não por quem eu levo pra cama...
Parabéns pelo exemplo de pai que vc tem, e cuida bem dele!
Bjão kra!
Uau! Queria poder dizer outra coisa, mas só consigo pensar em "uau"!
ResponderExcluirDeus seja louvado! Obrigado pela partilha! Estava precisando ler isso! Sobre a homofobia religiosa, creio que já conheça meu ponto de vista!
Um abraço,
Marcelo.
Uau, que catarse, hein? Fiquei comovido com seu texto. E me identifiquei, pois meu coming-out doméstico também foi doloroso, embora eu tivesse que enfrentar apenas a reação da minha mãe, pois meu pai já havia falecido. O começo foi uma barra, é sempre uma barra, mas ainda acho que vale a pena pagar esse preço inicial para depois ter a família de volta, e nos amando do jeito que nós somos. Parabéns pela coragem e pelo texto.
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